Eu me rendo
Danuza Leão
Quantas mentiras nos contaram; foram tantas, que a gente bem cedo
começa a acreditar e, ainda por cima, a se achar culpada por ser
burra, incompetente e sem condições de fazer da vida uma sucessão de
vitórias e felicidades.
Uma das mentiras:
É a que nós, mulheres, podemos conciliar perfeitamente as funções de
mãe, esposa, companheira e amante, e ainda por cima ter uma carreira
profissional brilhante.
É muito simples: não podemos.
Não podemos; quando você se dedica de corpo e alma a seu filho
recém-nascido, que na hora certa de mamar dorme e que à noite,
quando devia estar dormindo, chora com fome, não consegue estar bem
sexy quando o marido chega, para cumprir um dos papéis considerados
obrigatórios na trajetória de uma mulher moderna: a de amante.
Aliás, nem a de companheira; quem vai conseguir trocar uma idéia sobre
a poluição da Baía de Guanabara se saiu do trabalho e
passou no supermercado rapidinho para comprar uma massa e um molho já
pronto para resolver o jantar, e ainda por cima está deprimida
porque não teve tempo de fazer uma escova?
Mas as revistas femininas estão aí, querendo convencer as mulheres - e
os maridos - de que um peixinho com ervas no forno com
uma batatinha cozida al dente, acompanhado por uma salada e um
vinhozinho branco é facílimo de fazer - sem esquecer as flores e as
velas acesas, claro, e com isso o casamento continuar tendo aquele toque
de glamour fun-da-men-tal para que dure por muitos e muitos anos.
Ah, quanta mentira!
Outra grande, diz respeito à mulher que trabalha; não a que faz de
conta que trabalha, mas a que trabalha mesmo. No começo, ela
até tenta se vestir no capricho, usar sapato de salto e estar sempre
maquiada; mas cedo se vão as ilusões. Entre em qualquer local de
trabalho pelas 4 da tarde e vai ver um bando de mulheres maltratadas,
com o cabelo horrendo, a cara lavada, e sem um pingo do
glamour - aquele - das executivas da Madison.
Dizem que o trabalho enobrece, o que pode até ser verdade. Mas ele
também envelhece, destrói e enruga a pele, e quando se percebe a
guerra já está perdida.
Não adianta: uma mulher glamourosa e pronta a fazer todos os charmes -
aqueles que enlouquecem os homens - precisa,
fundamentalmente, de duas coisas: tempo e dinheiro.
Tempo para hidratar os cabelos, lembrar de tomar seus 37 radicais
livres, tempo para ir à hidroginástica, para ter uma
massagista tailandesa e um acupunturista que a relaxe; tempo para fazer
musculação, alongamento, comprar uma sandália nova para o
verão, fazer as unhas, depilação; e dinheiro para tudo isso e ainda
para pagar uma excelente empregada - o que também custa dinheiro.
É muito interessante a imagem da mulher que depois do expediente vai ao
toalete - um toalete cuja luz é insuportavelmente
branca e fria, retoca a maquiagem, coloca os brincos, põe a meia preta
que está na bolsa desde de manhã e vai, alegremente, para uma
happy hour.
Aliás, se as empresas trocassem a iluminação de seus elevadores e de
seus banheiros por lâmpadas âmbar, os índices de
produtividade iriam ao infinito; não há auto-estima feminina que
resista quando elas se olham nos espelhos desses recintos.
Felizes são as mulheres que têm cinco minutos - só cinco - para decidir
a roupa que vão usar no trabalho; na luta contra o
relógio o uniforme termina sendo preto ou bege, para que tudo combine
sem que um só minuto seja perdido.
Mas tem as outras, com filhos já crescidos: essas, quando chegam em
casa, têm que conversar com as crianças, perguntar como
foi o dia na escola, procurar entender por que elas estão agressivas,
por que o rendimento escolar está baixo.
E ainda tem as outras que, com ou sem filhos, ainda têm um namorado que
apronta, e sem o qual elas acham que não conseguem
viver . Segundo um conhecedor da alma humana, só existem três coisas
sem as quais não se pode viver: ar, água e pão.
Convenhamos que é difícil ser uma mulher de verdade; impossível, eu diria.
Parabéns para quem consegue fingir tudo isso....
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